Trocas de técnico, psicológico abalado, geração envelhecida… o drama da Argentina

A Argentina ainda respira na Copa do Mundo. A vitória da Nigéria sobre a Islândia renovou as esperanças de uma seleção que deixou Nizhny Novgorod arrasada após a derrota para Croácia, quinta-feira. Vencer os africanos, terça-feira, em São Petersburgo, e secar os islandeses é a única alternativa para avançar às oitavas de final. Chance derradeira para dar sobrevida a um ciclo marcado por derrotas, polêmicas, confusões políticas e decisões duvidosas desde a derrota para a Alemanha, há quatro anos no Brasil.

O GloboEsporte.com listou fatores determinantes para que os hermanos chegassem ao Mundial em situação tão delicada. Realidade que já se anunciava desde a dramática classificação na última rodada das eliminatórias:

Trocas de técnicos

Uma seleção que tem três técnicos entre uma Copa do Mundo e outra já dá claros sinais de que as coisas não vão bem. Imagine quando eles têm estilos completamente diferentes. A Argentina apostou em Tata Martino para o lugar de Alejandro Sabella depois de 2014. Ex-comandante do Barcelona e querido por Messi, parecia ser a escolha perfeita. E os resultados até mostraram que era mesmo. Em 29 jogos, foram 19 vitórias, sete empates e somente três derrotas. Dois desses empates, entretanto, pesaram demais.

Era Tata o treinador nos vice-campeonatos das Copas América de 2015 e 2016, ambas para o Chile nos pênaltis. Os fracassos fizeram com que ele próprio pedisse o boné, há dois anos. Desde então, a Argentina não se encontrou mais. Nem na retranca de Edgardo Bauza, que durou oito jogos, com três vitórias, três derrotas e dois empates; nem com o sempre ofensivo Sampaoli, que chegou à Rússia com seis triunfos, três empates e duas derrotas em 11 jogos.

Sampaoli indeciso

O curioso é que Sampaoli foi praticamente unanimidade para o último ano antes da Copa do Mundo. Depois de encantar com futebol vistoso e vencedor pela Universidad de Chile e seleção chilena, tinha passagem regular pelo Sevilla quando aceitou o desafio de comandar o time de seu país. Foi quando se mostrou um técnico indeciso, sem a mesma convicção de outros tempos.

Desde que assumiu, em 1º de junho do ano passado, Sampaoli não conseguiu sequer definir uma equipe titular, quanto mais impor um padrão de jogo. Foram 59 jogadores convocados e nenhuma escalação repetida em 13 partidas. Só nesta Copa do Mundo, em dois jogos, trocou três peças e também o esquema tático. Contra a Nigéria, terá mais novidade. O torcedor espera que agora o treinador acerte.

Psicológico em ruínas

Se tecnicamente a Argentina na Rússia tem se mostrado muito dependente de Messi, quando o assunto é a parte psicológica a situação é ainda pior. Nem o craque se salva. A fantástica geração que conquistou o ouro olímpico em Pequim-2008 não consegue repetir o sucesso entre os profissionais e carrega para si o fardo de 25 anos sem títulos do país – desde a Copa América de 1993.

Os três vice-campeonatos consecutivos – Copa de 2014 e Copas América de 2015 e 2016 – em nada amenizaram as cobranças sobre Messi, Di María, Agüero, Higuaín, Mascherano e outros jogadores consagrados na Europa. Pelo contrário, a pressão aumentou. O choro seguido de “aposentadoria” do camisa 10 há dois anos, nos Estados Unidos, expõe o estado de nervos deste grupo. Na Rússia, a situação parece piorar e o que se vê em campo é um time assustado e desarrumado.

Falta de renovação

A seleção argentina sofre para rejuvenescer seu elenco, o que torna ainda mais desesperador o futuro em caso de novo fracasso da geração atual. Por mais que conte somente com oito remanescentes da Copa do Mundo do Brasil, a equipe trocou de peças, mas não baixou a média de idade, que é de 29,6 anos. Só a Costa Rica, com 29,8, é mais velha na Rússia.

Todas as principais peças já passaram da casa dos 30 anos (são 14 no total) e receberam a companhia de jogadores rodados que nunca sequer tinham sido convocados até o fim das eliminatórias, como os goleiros Caballero (36) e Armani (31). Dybala (24), Pavón (22) e Lo Celso (22) são os únicos com projeção de vida longa com a camisa albiceleste após o Mundial.

Superexposição e muita corneta

Quando as coisas não estão bem, todo mundo mete o bedelho. E é bem assim que tem acontecido na Argentina. Como se não bastasse o mau rendimento e a situação delicada na Copa do Mundo, as opiniões que chegam de fora botam ainda mais para baixo um elenco superexposto. Só após a derrota para Croácia ao menos três nomes de peso de manifestaram com críticas.

Em áudio vazado, Diego Simeone apontou falta de organização na AFA e questionou o poder de decisão de Messi. Carlos Biancchi foi outro a cornetar a atuação do camisa 10 na partida em Nizhny Novgorod, enquanto Osvaldo Ardilles, campeão do mundo em 78, disse que o elenco que está na Rússia é o pior do país em uma Copa. Sem contar Maradona, que recentemente falou mal de Sampaoli e Agüero. Assim fica difícil ter paz.

Crise política

Duas semanas após perder a Copa do Mundo para a Alemanha, a Argentina sofreu outro golpe: morreu Julio Grondona, presidente da AFA por 35 anos, devido a problemas cardíacos. Foi o início de uma longa e polêmica guerra política pelo poder do futebol argentino. Então vice-presidente, Luis Segura assumiu o cargo até meado de 2016, quando foi cassado por acusação de fraude.

Antes disso, já tinha protagonizado situação bizarra em eleição onde terminou empatado com o concorrente Marcelo Tinelli com 38 votos cada em um pleito com 75 eleitores. De julho de 2016 até março de 2017, Armando Pérez assumiu interinamente a AFA a mando da Fifa até que um novo presidente fosse escolhido. E este foi Cláudio “Chiqui” Tapia, de 49 anos, com 40 dos 43 votos possíveis. O mandato vai até 2021.

Idas e vindas no campeonato local

A Argentina viveu também anos confusos em seu campeonato nacional. Em 2015, a AFA promoveu dez novos clubes à Primeira Divisão, aumentando para 30 o número de participantes, que jogavam entre si e com apenas clássicos em ida e volta. A mudança gerou controvérsias, até que em 2016 foi criada a Superliga Argentina. A competição passou a ser chamada assim e tinha como objetivo melhorar as condições comerciais para os clubes. Deu certo, e o Boca Juniors ganhou a última edição, que teve 28 participantes.

Apesar das idas e vindas, a disputa parece ter entrado nos eixos e a seleção conta com quatro jogadores em seu plantel que atuam no cenário doméstico: Armani e Enzo Perez, do River; Pavón, do Boca; e Meza, do Independiente.

Globo Esporte