Veja analisa, quais são os limites éticos do app para ajudar consumidores a buscarem o Judiciário

Um projeto tecnológico brasileiro chegou a final do “Global Legal Hackaton”, evento que acontecerá em maio de 2019 na cidade de Nova York, voltado para inovações tecnológicas no setor jurídico. A solução brasileira, “Rui”, possui o objetivo de ajudar os consumidores em problemas com empresas de telefonia para judicializarem a controvérsia, sob o argumento de que promoveria o acesso à justiça de uma maneira simples e barata, com o slogan “Rui é seu robô jurídico que tem como propósito facilitar e qualificar seu acesso à justiça”. Os responsáveis pela plataforma divulgaram ainda que a mesma pode ser acessada através de aplicativo para dispositivos móveis ou pela internet. Ademais, há a informação de que se disponibiliza ao usuário questionário com opções de respostas prontas, a partir do que se gera uma petição personalizada sobre o conflito envolvendo o consumidor que poderá ser direcionada a uma plataforma ODR ou para os Juizados Especiais.

As inovações tecnológicas que podem proporcionar impacto social sempre serão bem-vindas, entretanto, quando são aplicadas ao direito e carregam potencial de aprimoramento do sistema de justiça precisam ser avaliadas no contexto normativo em que se inserem. Software que decide conflitos de até oito mil dólares desenvolvido na Estônia, a partir de um banco de dados com todas as leis do país, provavelmente esbarraria no Brasil em limites da legislação processual civil, notadamente as garantias constitucionais asseguradas aos sujeitos processuais. No entanto, soluções, como, por exemplo, a implementação do Sinapse, ferramenta produzida pelo TJ-RO para classificar tipos de movimentação do processo judicial, contribuem para agilizar o andamento dos processos dentro dos parâmetros do ordenamento jurídico nacional.

Quanto às soluções tecnológicas voltadas ao setor jurídico importante consignar a impossibilidade de utilização dos serviços de uma legaltech quando se promove, por exemplo, mercantilização da profissão advocatícia, captação indevida de clientela e exercício de atividade privativa do advogado, porquanto se concretizaria suposta violação da ética profissional que rege as funções desempenhadas pelo advogado. Elementos que determinam a urgência de uma regulação sobre essas atividades, para eliminar zonas cinzentas que não podem servir de óbice ao desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo em que precisam ser estabelecidos parâmetros para sua atuação legal e ética.

De um lado, não é adequado apoiar-se um rejeicionismo irracional, isto é, rejeição dogmática e visceral de uma tecnologia com a qual não se tem experiência pessoal direta, de outro violações às normas jurídicas e éticas que regulam o exercício da advocacia no Brasil devem ser coibidas. Dessa forma, questiona-se até que ponto será possível deter a tecnologia? Veja-se, por exemplo, a situação envolvendo os aplicativos de transporte privado de passageiros e os taxistas. Guardadas as devidas proporções, o exemplo demonstra a necessidade de ajustar as inovações tecnológicas aos limites éticos que organizam a prestação de serviços jurídicos no Brasil.

Wilson Sales Belchior – Graduado em direito pela UNIFOR, especialista em Processo Civil pela UECE, MBA em Gestão Empresarial e mestrando em Direito e Gestão de Conflitos na UNIFOR. Também possui curso de curta duração em resolução de conflitos na Columbia Law School, nos Estados Unidos. Na mesma instituição participou de série de pesquisa avançada. Palestrante, professor universitário em cursos de pós-graduação em diferentes estados e autor de diversos artigos e livros, publicados em revistas, jornais, portais de notícias e editoras de circulação nacional. Conselheiro Federal da OAB (2013-2015). Vice-presidente da Comissão Nacional de Advocacia Corporativa do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Membro da Comissão Nacional de Sociedade de Advogados do Conselho Federal da OAB (2010-2012). Membro da Coordenação de Inteligência Artificial do CFOAB (2018). Atualmente é Conselheiro Federal eleito para o triênio 2019-2021.

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